sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Benjamin Abraão – O Polêmico Secretário do Padre Cícero



Ele foi tido como conterrâneo de Jesus e, por isso mesmo, um segundo enviado de Deus quando chegou a Juazeiro do Norte, no Ceará, e se apresentou como o homem que nasceu em Belém, na Terra Santa. O nome? Benjamin Abrahão. O sírio caiu nas graças do religioso mais famoso do Nordeste, o Padre Cícero, e logo se tornou seu secretário pessoal. Daí em diante, Abrahão se fez na vida. Pois, apesar de ter sido considerado um santo, soube aproveitar as oportunidades para colocar em prática as malandragens dos homens de carne e osso, chegando a ser fotógrafo particular de Lampião para ganhar uns tostões.



Esse sírio – chamado de turco pelos inimigos – chegou ao Brasil com 14 anos, em 1915. Veio fugido das perseguições do Império Otomano pela qual passava a Síria, e da ação sanguinária do general Jamal Pachá, que alistava jovens como Benjamin no Exército. Foi morar com uns parentes distantes, os Elihimas, no Recife, que por sua vez faziam a vida vendendo miudezas no comércio. Virou caixeiro-viajante e começou a explorar a credulidade do povo: contava sua vida na Terra Santa e, entre uma história e outra, vendia os produtos. 

Depois de dois anos perambulando pelo sertão, ele se deparou com um grupo de  romeiros indo a Juazeiro para receber a bênção de Padre Cícero. Decidiu se juntar a eles e, quando chegou, o padre reconheceu Abrahão como diferente em meio a tantos caboclos. Porque era um indivíduo branco, meio alourado e bem mais alto que a média. 

A beata Mocinha (Joana Tertuliana de Jesus, secretária e tesoureira do padre Cícero) se aproximou, a mando do padre, para saber de onde vinha o forasteiro. O sotaque estrangeiro o denunciou e foi aclamado por todos quando disse que vinha da Terra Santa. “Padre Cícero se dirige aos fiéis e diz: meus amiguinhos, Benjamin que está aqui é conterrâneo de Jesus”, afirma o historiador Frederico Pernambucano de Mello.



Bastaram 15 dias para Abrahão se converter e ser nomeado secretário pessoal do padre. A beata Mocinha era chefe de uma ordem que tinha por objetivo arrecadar donativos para mandar aos padres que cuidavam do Santo Sepulcro na Terra Santa. A presença de Abrahão ali, então, era como uma purificação para a casa. 

O sírio foi esperto. Já no início, ele se declarou ourives e passou a cuidar das joias do religioso. Não demorou a prosperar na vida: comprou ternos de casimira inglesa e gravata de seda pura. Algumas testemunhas contavam que ele cuidava de joias belíssimas que deviam ser de Padre Cícero.


Rua de Juazeiro na década de 1920
 
Para Benjamim Abraão, os anos de 1917 a 1934 – tempo em que viveu ao lado do padrinho – nunca mais seriam os mesmos. Abrahão virou um homem da sociedade.A morte do Padre Cícero, aos 90 anos, fez com que Benjamin caísse em desespero. O padre era o ganha pão do sírio. Para salvar o bolso, então, ele filmou o enterro do padre para a Aba film e, malandro, abriu as portas para depois oferecer à mesma Aba film uma película (e fotos) de Lampião e de seu bando – já que desde 1930 o jornal New York Times noticiava as muitas façanhas de Lampião.

Abrahão tinha, estranhamente, uma credencial de jornalista quando chegou ao Brasil, escrita em francês. Em certa ocasião conheceu o pioneiro do cinema no Brasil, Ademar Albuquerque, que mais tarde criou a Aba Film. Conseguiu filmadora, tripé e uma máquina fotográfica e foi atrás do grupo, pois já conhecia Lampião de uma visita que o cangaceiro fez ao Padre Cícero em 1926, no Juazeiro.




Lampião não apenas fez pose para a foto como chamou o bando de todo o Nordeste para se reunir na filmagem. O resultado:  Noventa fotos de qualidade heterogênea e um filme de 35 mm (hoje restam 15 minutos dele na Cinemateca Brasileira) em que Lampião é transformado em garoto propaganda da Bayer, que patrocinou o filme. Alegremente agitado, ele diz na gravação que até Lampião usa cafiaspirina quando tem dor de cabeça...

Abraão morreu em 1938, em Serra Talhada (PE), assassinado com quarenta e duas punhaladas, sem que o crime jamais viesse a ser esclarecido, tanto na autoria como na motivação, donde se especula ter sido mais uma das mortes arquitetadas pelo Estado Novo uma vez que o sírio teve seus trabalhos apreendidos pela ditadura de Getúlio Vargas, que nele viu um antagonista do regime. Mas também existe a versão de que o fotógrafo sírio-libanês teria sido vítima de um ladrão, apesar de com este nada de valor haver. 


fontes:
Benjamin Abrahão, Entre Anjos e Cangaceiros. Frederico Pernambucano de Mello. Ed. Escrituras. 352 páginas.
wikipédia 
fotos Aba Film

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