quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O Julgamento dos Escravos da Escuna Laura II

Um dos crimes que mais agitaram a opinião pública não só da capital como também de outras cidades do interior, ocorreu surpreendentemente em águas costeiras do Ceará, envolvendo passageiros, cujo destino seria o Rio de Janeiro. 

 
embarcação semelhante ao Laura II
 
No dia 12 de junho de 1839, no lugar denominado Arapaçu, distante três léguas de Aquiraz, ancorou o brigue-escuna Laura II, que há alguns dias atrás zarpara do Maranhão. O ancoramento foi proposital, não que estivesse nos planos de viagem, nem o local fosse propício, porém, por circunstâncias adversas, envolvendo comando e tripulação. Insatisfeitos com o tratamento recebido, nove tripulantes, todos escravos, insurgiram-se contra o seu comandante, Capitão Francisco Pereira da Silva e o assassinaram, além de um passageiro de nome Francisco Frates, que se destinava ao Rio de Janeiro. 

Cascavel em 1924
 Depois de cometido o delito, abandonaram o navio na costa e tomaram o rumo de Cascavel. Na Vila de Cascavel, onde os fugitivos fizeram abordagens, um dos que não haviam participado da chacina denunciou os demais, e os nove envolvidos foram presos. Com eles foram encontrados um conto, oitocentos e tantos mil réis e algumas joias, valores que deveriam estar sob a guarda do comando. Em diligência procedida pelo Juiz de Aquiraz, ainda foram salvos alguns sacos de arroz, barris de manteiga e outras mercadorias de menor valor e algumas moedas de cobre. Informado do ocorrido, ordenou o chefe do governo, Dr. João Antônio de Miranda, o deslocamento de 23 praças para a região, no sentido de fazer o que fosse possível, não havendo notícias do resultado dessa operação.

 Figura de proa da Escuna Laura II, recuperada em Aquiraz. Hoje é parte do acervo do Museu do Ceará. 

Processados pelo juiz de Aquiraz e pronunciados como incursos no art. 192, do Código Criminal, os presos foram remetidos para a capital, onde teriam condições mais seguras para aguardar o julgamento. 
O júri reuniu-se no dia 18 de julho de 1839, presidido pelo juiz municipal  Dr. Clemente Francisco da Silva, com  Ângelo José da Expectação de Mendonça na promotoria e como assistente de defesa o padre José Ferreira Lima Sucupira; como Presidente do Conselho, Manuel José de Albuquerque. 

 
 Casa de Câmara e Cadeia de Aquiraz, atualmente Museu São José de Ribamar

Interrogados os réus confessaram friamente o crime, protestando apenas contra maus tratos a bordo e deficiência de alimentação. Proclamada a sentença, seguiram-se os resultados: os réus João Mina, Hilário, Benedito, Antônio, Constantino e Bento foram condenados à pena máxima, ou seja, morte natural na forca. 
O escravo Luiz, natural de Cabo Verde, foi condenado ao grau médio ou galés perpétuas, segregado em Fernando de Noronha. Luiz, natural de Aracati, condenado ao grau mínimo. Dada à sua condição de escravo, deveria ter sua pena comutado em 450 açoites, e depois entregue ao seu proprietário, que além de assinar termo de responsabilidade, seria obrigado a conservá-lo durante seis anos com uma argola no pescoço. Condenado também o armador ou preposto seu e liquidação do navio como forma de ressarcimento das despesas existentes. Foi absolvido o réu José Mina,  considerado inocente.
A data das execuções foi marcada para o dia 19 de outubro de 1839, mas acabou sendo adiada para o dia 22 do mesmo mês por motivos burocráticos. No dito dia 22, às 7 da manhã os prisioneiros deixaram o quartel  (onde hoje está a 10ª Região Militar) e seguiram o mesmo itinerário por onde em 1825 haviam passado os “Mártires da Confederação do Equador”, em direção ao Campo da Pólvora, local das  execuções. O porteiro dos auditórios, Agostinho José da Silva, abria caminho por entre a multidão. Na vanguarda marchavam a cavalo o juiz, um médico e o escrivão. Por fim desfilavam os seis condenados, trajando ceroulas e camisas amarelas. Algemados, os braços em volta do pescoço, tinham ao lado os confessores dos seus instantes finais.

 Passeio Público, antigo Campo da Pólvora onde ocorriam as execuções de réus condenados à pena capital

João Mina, acusado de ter sido o principal assassino do capitão, teve a primazia do infortúnio, porém antes chorava copiosamente e aterrorizado, implorava piedade e perdão. Hilário, o segundo a ser conduzido ao patíbulo, possuía têmpera de aço e se contradizia diante do terror que o cercava. Comia pão-de-ló e bebia vinho juntamente com os outros dois e ainda desdenhava do companheiro, dizendo: “morre homem, mas não dá gosto a teus inimigos”. No momento de entregar o pescoço ao laço, lutou tenazmente, desde a subida à forca até o momento de ser lançado ao espaço. 
O próximo foi o cabra Benedito, que deveria ter sido vendido no Recife e fora o assassino do negociante Feliciano Frates. O quarto condenado era angolano e se chamava Antônio, acusado de haver assassinado um marujo seu companheiro. Constantino o quinto e o primeiro da tragédia do Laura II, comportara-se durante o tempo de prisão como verdadeiro cristão, segundo seus confessores. Era baiano, tinha 34 anos de idade e pensava-se que seria indultado, visto como antes esse boato se espalhara. Bento foi o último na ordem das execuções  o primeiro em crueldade quando por ocasião do crime. Além de atrair o capitão, assassinou um marujo de nome Maia e outro de nome  Antônio, todos igualmente escravos e companheiros de viagem.  
extraído do livro 
Pena de Morte, de R. Batista Aragão  
     

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