terça-feira, 18 de março de 2014

Antônio Conselheiro – de Quixeramobim a Canudos

Rio Banabuiú, visto da ponte próxima à sede do município de Morada Nova 
(foto wikipédia)

Nas águas do Banabuiú, Antônio Conselheiro lavou a sua sina e o seu batismo foi dado por Dona Guidinha do Poço – aquela que amou um negro,  matou o marido nobre, foi condenada, enlouqueceu e vagou pelos insondáveis caminhos da loucura. Também seu afilhado Antônio, o que se assombrou com o sangue da brutal luta entre Araújos e Maciéis, seria condenado a uma tragédia maior. 
Antônio, pacato comerciante, fracassou no comércio e no casamento. Nem mesmo os macios lençóis de Joana – a imaginária, foram capazes de consolar a sua sede de justiça. Outra fogueira queimava dentro deste homem... No coração de Antônio ainda ardiam os sermões do santo padre Ibiapina e a Confederação do Equador marcando para sempre os seus sonhos de liberdade.
A voz de um anjo torto ordenou: Antônio, o deserto é tua terra, o céu é a tua casa e o teu pão a oração e a penitência... é preciso se purificar de todos os pecados e guiar o povo pobre pelas sendas da salvação. Os pés de Antônio sangraram pelas vastidões dos latifúndios na semeadura da bondade.  Em terras do Cariri, Antônio ouviu o mito tapuia da pedra da batateira... a Serra do Araripe, grávida de oceanos milenares, esperava um sinal sangrado para rebentar o coração de pedra e inundar os sertões. Antônio agora é guardião dos segredos dos pajés. O Sertão vai virar mar. O Sertão já foi um mar, crianças famintas brincam com fósseis de peixes antediluvianos como se fossem manadas de bois imaginários. Roído de fome e sede, Antônio juntou o seu rebanho de deserdados e ouviu de Dom Sebastião, o Encoberto, que a sua missão era erguer a cidadela dos justos e dos bem-aventurados, em Canudos. 

 Ruínas da igreja velha de Santo Antônio em Canudos (imagem:http://www.girafamania.com.br)

Esta terra amarga é presente de Deus, é preciso plantar o mel da oração e a semente do amor. De barro e pedras, de suor e varas retorcidas das caatingas, foi erguido o labirinto de casinhas e um templo de taipa, com altas torres para o sol dourar o mundo nos crepúsculos sertanejos. A igreja disse: não! Os latifundiários disseram: não!  E os canhões roncaram a morte. 


 Corpo de Antônio Conselheiro

O povo resistiu com seu coração maior do que todas as tiranias. Mas os exércitos da República não tinham fim e os mortos se multiplicaram como pedras e as águas do Vaza-Barris ficaram tintas com o sangue camponês.  Os urubus afinaram os bicos no banquete e os cães uivavam ao lado dos degolados. O frágil barro das casas de Canudos se misturou ao pó dos mortos e o vento soprou com fúria nunca antes tão violenta. E o deserto engoliu gritos, orações, sonhos, armas e utopias. Dom Sebastião não saiu do mar com seu exército alumioso para lutar ao lado dos deserdados e a maldição dos poderosos se abateu sobre o povo. 
 seguidores do Conselheiro presos pelas tropas do Exército no Arraial de Belo Monte, em Canudos. (imagem: imagem:http://www.girafamania.com.br)

Mas segundo a profecia virá o novo tempo de lutas e a terra pertencerá ao povo e o pão será coletivo e repartido na mesa farta. Muito sangue há de correr até que o Sertão vire mar de fartura. O vento ainda sopra a fúria dos despossuídos e a palavra liberdade foi desvendada nos monólitos dos sertões de Quixeramobim.
Vivam Antônio e o Sertão. Esta terra tem que ser do homem.  

extraído da publicação: Ceará nos anos 90 - Censo Cultural
 

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