quinta-feira, 28 de março de 2013

A Modernização pelos Trilhos


Acompanhando o crescimento da produção e do comércio, e para ele contribuindo igualmente, verificou-se na segunda metade do século XIX a ampliação dos meios e vias de transporte, de forma a dotar a província de melhores estruturas para o escoamento das mercadorias em direção ao litoral.

Placa comemorativa do 1° centenário da Estrada de Ferro de Baturité (foto Rodrigo Paiva)

Após alguns planos que não saíram do papel, em 1870, o governo provincial assinou com a Companhia Cearense da Via Férrea Baturité, um contrato para a construção de uma ferrovia ligando a capital à vila do mesmo nome. Tal companhia tinha como diretores o Pe. Thomaz Pompeu de Souza Brasil (O Senador Pompeu), Gonçalo Batista Vieira (Barão de Aquiraz), os comerciantes Joaquim da Cunha Freire (Barão da Ibiapaba) e Henrique Broochlehurst, sócio da firma R. Singlehurst e Cia – a popular Casa Inglesa – e o engenheiro José de Albuquerque Cavalcante.
Em 1873 foi inaugurado o primeiro trecho da EFB entre Fortaleza e o Arronches (atual Parangaba) e em 1876, o de Pacatuba. Havia planos para estender os trilhos até o vale do Cariri, mas desde o início o empreendimento teve problemas financeiros – daí os atrasos nas obras e os constantes auxílios do governo.

Os trilhos da Estrada de Ferro e a antiga Estação de Baturité (foto Rodrigo Paiva)

Em 1878, a Estrada de Ferro Baturité acabou encampada pelo governo imperial. Cinco anos depois os trilhos finalmente chegaram a Baturité. Posteriormente, sucederam-se prolongamentos em direção ao sul cearense, chegando ao Crato em 1926.
A Estrada de ferro trouxe benefícios à produção agrícola e ao comércio do Ceará, facilitando o escoamento da produção sertaneja (especialmente algodão e café) para Fortaleza e daí para os centros consumidores do além-mar, e transportando a bens industrializados para o interior. 
Em 1878, durante a calamitosa estiagem (1877-79) o governo imperial determinou com seus recursos a construção de uma outra ferrovia no Ceará, ligando Camocim a Sobral, na qual por caridade, foi usada a mão-de-obra sertaneja. O trecho Camocim-Granja foi inaugurado em 1881 e em dezembro de 1882, inaugurada a estação de Sobral.

Estação de Camocim da Estrada de Ferro de Sobral (foto Rodrigo Paiva) 

A construção da Estrada de ferro Sobral trouxe alguma prosperidade para Camocim em detrimento de Acaraú, em virtude da decadência da histórica rota comercial antes feita pelo porto desta cidade. O surto da borracha na Amazônia na década de 1880 provocou euforia no norte cearense – o porto de Camocim, por ser mais próximo da Amazônia viveu grande agitação, com o comércio e a saída de cearenses para aquela região.
Com a ferrovia, Sobral incrementou o controle sobre o centro-norte do Ceará e com os prolongamentos da EFS – para Crateús em 1912 e Ibiapaba em 1918 – influenciou mesmo áreas do Piauí e Maranhão.

Estação de Sobral foi inaugurada em 1882 como ponta de linha da Estrada de ferro de Sobral (foto de 1957 do site estações ferroviárias do Brasil) 

A cidade conheceu igualmente uma fase de expansão urbana e aformoseamento (construção do Teatro São João, do Jockei Club, casas elegantes, etc.) em 1950, após muitas interrupções, se concluiria a estrada de ligação entre a EFS e a EFB, iniciada em 1910.
Além de várias estradas de rodagem abertas na segunda metade do século XIX entre as vilas, ampliou-se a navegação de cabotagem no litoral cearense. Até 1858, a única companhia marítima nacional a vapor que frequentava a província era a Companhia Pernambucana, a qual enviava um único navio aos portos locais. 

teatro São João em Sobral, inaugurado em 1875 (foto do site da prefeitura de Sobral) 

A partir de 1865 por contratos do governo cearense outras companhias começaram a fazer escalas nos portos do Ceará, como a Companhia de Navegação a Vapor do Maranhão, a do Rio de Janeiro e algumas companhias estrangeiras. Fortaleza assim passou a ter nos anos 1860, não só a primazia do comércio direto com a Europa, favorecida pelas linhas de vapores ingleses e pelo fechamento da Alfândega de Aracati em 1851, mas também com outras províncias  uma vez que seu porto foi incluído nas rotas que se estendiam para a região Sudeste, ligando-a aos mais importantes portos do País.

extraído do livro de Aírton de Farias
História do Ceará

domingo, 24 de março de 2013

Acaraú Ceara



Os primeiros habitantes da região do Acaraú eram pescadores vindos do Sul. Atraídos pela fartura dos barcos pesqueiros, instalaram-se inicialmente no lugar denominado Presídio, transferindo-se mais tarde para local mais seguro, ao fundo do delta formado pelo rio Acaraú.
Durante o longo período da guerra holandesa, o interior do Ceará começou a receber população de origem portuguesa. Muitas famílias tiveram de abandonar o litoral para viver nas matas, ocupando-se de plantações, ou no sertão, criando gado. 

 Rua de Acaraú

Fundaram-se então as primeiras fazendas de criação no alto sertão da Bahia, Sergipe, Pernambuco e Paraíba. Daí, os sertanistas foram seguindo até o alto Jaguaribe. O gado que sitiaram teve incremento espantoso. Procedia das ilhas portuguesas. Pelo litoral vieram também povoados para o Ceará, sendo quase que exclusivamente de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande. Desta origem são as famílias que primeiro se estabeleceram na bacia do Acaraú.
A esses pescadores  se juntaram os criadores que, em fins do século XVII e início do século  XVIII, se estabeleceram com seus rebanhos  na ribeira do Acaracu. Pescadores e criadores foram, portanto, os primeiros habitantes do Acaraú.

Praça Coronel José Filomeno em 1985 (foto jornal O Povo)

O primitivo núcleo da Barra do Acaraú servia de ancoradouro a pequenas embarcações, vindo a chamar-se Porto dos Barcos de Acaracu. Localizada à margem direita do rio, ficava a povoação encravada na légua de terra adquirida em 23 de dezembro de 1793 por José Monteiro de Melo ao padre Basílio Francisco dos Santos e seus irmãos, capitão Manuel José dos Santos e D. Maria Joaquina,todos moradores em Lisboa. Monteiro de Melo, ao morrer, em 1806, legou esse patrimônio a Nossa Senhora da Conceição, padroeira da freguesia, que nesse tempo pertencia a Sobral.


o Rio Acaraú Nasce na Serra das Matas, um dos pontos mais altos da região. Saindo de Monsenhor Tabosa, em pleno sertão, percorre 320 quilômetros. Corta Sobral uma das cidades mais importantes do Ceará. Banha 18 municípios e deságua no mar em Acaraú  

Almofala constituiu o primeiro aldeamento do Município de Acaraú, sede da antiga missão dos índios Tremembés, datando de 1608, época em que os jesuítas os aldearam nas praias dos Lençóis. Em Almofala fica a igrejinha que a Rainha D. Maria I de Portugal mandou construir para os índios, em 1712.
O núcleo da Barra do Acaraú é o marco inicial do que, mais tarde, viria a ser a cidade de Acaraú. 
No século XVIII, em 22 de setembro de 1799, o povoado foi elevado à categoria de distrito de Acaraú da vila de Sobral.

Paróquia de São João Batista no Distrito de Aranaú
foto panorâmio disponível em http://www.panoramio.com/photo/33238139

Já sua elevação à categoria de vila do Acaraú, com o distrito já desmembrado da jurisdição de Sobral, ocorreu segundo Lei 480, de 31 de julho de 1849.
A fundação do município de Acaraú data de 31 de julho de 1849. O título de município, já com a denominação atual de Acaraú, ocorreu segundo Lei 2 019, de 19 de setembro de 1882.
Em divisão territorial datada de 1-VI-1995, o município é constituído de 4 distritos: Acaraú  Aranaú, Juritianha e Lagoa do Carneiro.

Um castelo encantado em Acaraú: no local funcionam uma pousada e um restaurante

População:  57.551 habitantes (censo Demográfico de 2010)
Área da unidade territorial: 842,559 km²
Densidade demográfica: 68,31 hab/km²
Localização: mesorregião:  Noroeste Cearense
Microrregião: litoral de Camocim e Acaraú
Municípios limítrofes:  Cruz, Bela Cruz, Amontada,  Morrinhos, Marco e Itarema
Distância de Fortaleza: 253 km

fotos Rodrigo Paiva
fontes:
wikipédia
IBGE

quarta-feira, 13 de março de 2013

Farias Brito - Ceará


O Município de Farias Brito está localizado no sul cearense, microrregião de Caririaçu, distante de Fortaleza  em torno de 475 km. O nome Farias Brito é em homenagem ao filósofo Raimundo de Farias Brito. Antigamente o município era chamado de Quixará.


População (estimativa para 2012): 18.859  habitantes
Segundo o Censo Demográfico de 2010, a população do município era de 19.007 pessoas, dos quais 8.871 estavam na zona urbana e 10.136 na zona rural. 
Destes, 9.329 são homens e 9.678 mulheres. A projeção feita pelo IBGE para 2012, prevê  uma pequena redução no número de habitantes, que passaria dos 19.007 de 2010, para 18.859 habitantes em 2012. 
Área da unidade territorial: 503,622 km²
Densidade demográfica: 37,74 hab/km²
Cidades Limítrofes:  Crato, Caririaçu, Várzea Alegre, Cariús, Tarrafas, Assaré, Altaneira, Nova Olinda.


foto do site http://wikimapia.org
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, com obras iniciadas em 1946 e concluídas na década de 1980. 

A área geográfica onde se localiza o atual município de Farias Brito, foi antigamente, campo de atividade da valente tribo Cariús, que habitava grande parte da zona sul do Ceará e sertão pernambucano.
O povoamento da terra teve início no primeiro quartel do século XVIII e se originou da concessão de datas de sesmarias a alguns pioneiros. Registro da crônica histórica dá conta que um dos vultos marcantes da formação da comuna foi o coronel Francisco Gomes de Oliveira Braga, chefe político muito influente que conseguiu que fosse o povoado elevado à categoria de vila em 1890. 

Praça Enoch Rodrigues, no centro de Farias Brito (foto Wikipédia)

O Distrito foi criado por ato de 22 de julho de 1873, e lei provincial n° 2042, de novembro de 1883, com a denominação de Quixará. Foi elevado à categoria de vila pelo decreto estadual nº 82, de 13 de outubro de 1890, desmembrado de Assaré.

Sítio Várzea (foto de Joilson Kariri)

Por lei estadual nº 1794, de 1920, é extinto a vila de Quixará, sendo seu território anexado ao município de Santana do Cariri. Em de 26 de julho de 1926, o distrito de Quixará deixa de pertencer ao município de Santana do Cariri, para ser anexado ao município de Crato. 

Rua Rita Maria do Carmo (foto de Cirlândio Brito)
   
Pelo decreto estadual nº 193, de 20 de maio de 1931, o distrito de Quixará deixa de pertencer ao município de Crato, sendo incorporado ao município de São Mateus. Em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o distrito de Quixará, volta a pertencer ao município de Crato.

Distrito de Nova Betânia (foto de Joilson Kariri)
  
Elevado novamente à categoria de município com a denominação de Quixará, pela lei nº 268, de 30 de dezembro de 1936, desmembrado de Crato. Pela lei estadual nº 2194, de 15 de dezembro de 1953, o município de Quixará passou a denominar-se Farias Brito. 
O município é constituído de 4 distritos: Farias Brito, Cariutaba, Nova Betânia e Quincuncá.

fontes:
Wikipédia
IBGE


sábado, 9 de março de 2013

A Escrava Bonifácia

Vinte anos após a liberdade e a independência do Brasil de Portugal,  na manhã do dia 22 de setembro de 1842, uma enorme multidão vinha do centro da cidade em direção ao planalto do Paiol, campo de onde se avistava o mar para os que vinham do interior, um deserto de areias movediças que o vento revolvia. 
À frente da lúgubre procissão, montado num cavalo, vinha alguém abrindo caminho; ao seu lado montavam dois outros cavaleiros à guisa de escudeiros, respeitosos. Aquela entidade imponente sobre seu corcel, era um juiz, ladeado de servidores subalternos a ele. A seguir, vinham soldados de sobrecenho carregado, carabinas aos ombros, as baionetas luzindo ao sol; eles escoltavam uma figura em trajes femininos que chorava e tremia, arrastando os passos. Naquele cortejo cívico, uns eram algozes; outros, a claque dos patíbulos e a vítima uma mulher frágil, cativa desde o berço e deserdada de todos os favores da lei. 



A condenada era Bonifácia, a escrava de Joaquim Carpina. A escrava Bonifácia era acusada de haver matado um jovem rapaz; mas o crime não estava no homicídio simplesmente. Concorria nele uma circunstância atroz. O assassinado não era de um filho seu, que por instinto da espécie devesse preservar a qualquer custo; não era o filho de um benfeitor, a quem sucedesse nos direitos pelo benefício outorgado; era mais que isso – era um senhor moço, filho de Joaquim Marques Vairão,  conhecido pelo vulgo de Joaquim Carpina.
Essa circunstância no regime econômico da escravidão produzia uma agravante extrema do delito, porque no código negro, o atentado contra o senhor que surrava estava equiparado ao crime contra o pai. Tudo se compreendia no parricídio, ou se considerava da mesma categoria que o sacrilégio que andava nas primeiras páginas dos códigos medievais. 
O suposto crime foi cometido em Maranguape, começando em Fortaleza por um exame procedido no cadáver do filho de Joaquim Carpina, remetido do sítio Mongubeira. O cirurgião militar Machado, perito único, declarou ter encontrado feridas contusas no rosto e mais duas na região do pescoço, que mostravam ter sido feitas com as mãos, porque se achavam os sinais das unhas cravadas no rosto, revelando pela compressão terem impedido a respiração, do que resultara a morte. 
As testemunhas do delito, eram pessoas do campo, simples, de cuja moralidade e interesse no fato, não havia notícias; e o juiz de paz, não passava de um homem atrasado em demasia, para proceder às altas indagações da justiça. Enfim, o processo constou de umas quatro folhas de papel mal escritas, no fim dos quais se acrescentou com mão firme a sentença de Bonifácia: ao patíbulo. 

Depoimento da 1ª Testemunha 

Estando em sua casa e indo buscar uma carga de água em Mongubeira, perguntou à  Bonifácia como estava o menino Antônio, filho de Vairão, que soubera havia sido mordido por uma cobra. Ela respondeu que estava muito doente e já estava todo roxeado pelo pescoço; e ela testemunha, dirigindo para a casa a ver o dito menino, falou com ele, que estava deitado em uma rede, num dos quartos da casa. Perguntou-lhe como estava, e ele respondeu que muito doente de dois coices que o cavalo de seu pai lhe tinha dado. Perguntou-lhe se tinha ânsia e alguma coisa no coração; respondeu-lhe que não. Ela testemunha, não viu que houvesse manchas no menino, porém que a casa estava escura. Recomendou a Bonifácia alguma coisa no sentido de ela poder vir com mais alguma pessoa fazer quarto ao menino.

Segunda Testemunha

Chegando em sua casa, vindo de Arronches, recebeu um recado de Bonifácia, pedindo-lhe que fosse à Mongubeira para ir a Fortaleza dar parte a Vairão que o filho estava mordido de uma cobra, e ali indo ter, esta lhe disse que não precisava mais, porque já tinha mandado um recado àquele. Bonifácia disse-lhe que o menino tinha sido mordido pela manhã, e após isto lhe dissera que tinha sido à tarde, informando que não estava tão doente disso como dos coices. Acrescenta que, falando ele no terreiro, o menino lhe conheceu a fala e de dentro lhe perguntou se era ele que ali estava. A testemunha como já tivesse ouvido a Bonifácia, não perguntou a ele se estava mordido. Bonifácia o chamou, quando se retirava; havia presente uma mulher de nome Ana.

Terceira Testemunha

Em 31 de janeiro, estando na casa do finado, presente Bonifácia e o menino, dizendo este que havia de contar artes que ela fazia, como fosse ter furtado uma cabra. Bonifácia levantou-se muito irada e pegou o menino pelas goelas, deu-lhe um grande arrocho, o sacudiu lá, e passou a descompô-lo. Após isso, Ana se retirou.
Indo outra vez ali buscar água, encontrou a escrava que trazia o menino para a casa, vindo dum cercado de mandioca e bananeiras, perguntando de que estava doente aquele menino, que ainda à noite estava bom. Bonifácia respondeu que tinha sido uma cobra que lhe tinha mordido e um coice de um cavalo, mas, segundo o que mostrava, nunca foi cobra nem coice de cavalo, mas uma grande surra que Bonifácia dera no menino, e pedindo este que a testemunha não saísse dali, porque estava com grande medo de Bonifácia, ela, testemunha, disse que sim, não punha dúvida, mas antes ia deixar sua água em casa. Voltou, esteve toda a noite com o menino que não estava mortal. Não gemeu, dormiu bem toda a noite. Amanhecendo o dia, Bonifácia pediu a ela, testemunha, fosse ver um tição de fogo, e voltando ela à casa com pouca demora, foi perguntando como estava o menino, e lhe respondeu aquela que ele estava morto. No mesmo instante, entrando pela casa adentro, achou o menino morto daquele momento, pois que as carnes ainda lhe tremiam e o coração batia. Assegurava que quem matou o menino foi Bonifácia.

Quarta Testemunha

Vindo ver água na terça de manhã, 2 de fevereiro, ouviu gritos de Bonifácia que acudissem, que tinha morrido o menino e, indo ali, ela informou que ele morrera de uma mordedura  de cobra. Entrando pela casa, achou-o morto, como daquele momento. Mandou tirá-lo da rede para lavá-lo, pois que estava muito sujo, e ajudando a lavá-lo, viu ter o rosto arranhado, o pescoço roxo com dois arranhões, não tendo indícios de ter morrido de coices nem de mordedura de cobra. Na ocasião em que se lavou o cadáver, reparou e viu que a morte tinha sido como que se apertando as goelas até faltar a respiração.


Bonifácia não assistiu às inquirições por ter fugido, diz uma certidão. O menino ainda não tinha 11 anos. No interrogatório único que lhe foi feito, o do júri, disse que o menino morrera de coices de um cavalo, metendo num cercado os animais do pai, que esteve três dias doente e que ela avisara aos pais. Bonifácia foi condenada à morte por enforcamento tendo por base apenas o testemunho de quatro pessoas, sem outras provas ou contestações. A sentença foi cumprida no dia 22 de setembro de 1842, no atual Passeio Público, em Fortaleza.


Extraído do livro de João Brígido
Ceará (homens e fatos) 
 

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Revolta dos Negros do Laura II


Figura de proa da escuna Laura II, cenário de um levante de escravos que culminou com a morte de toda a tripulação da embarcação que seguia de São Luís do Maranhão para o Rio de Janeiro. Os rebelados foram presos, trazidos para Fortaleza e executados em praça pública em 1839. A peça faz parte do acervo do Museu do Ceará 

Eram quatro horas da tarde do dia 11 de junho de 1839, quando uma escuna se aproxima da praia de Arapaçu (atual Iguape), vinda do norte. Não conseguindo alcançá-la faz-se ao mar novamente e numa segunda tentativa consegue aportar, ficando com as velas arriadas.  Ninguém foi visto a bordo.
No dia seguinte, pessoas que foram colher mariscos viram muitas pegadas sobre a areia dos morros e concluíram que as pegadas eram de pessoas que desembarcaram daquele barco misterioso. À tarde um morador comunicou ao inspetor de Arapaçu, que tinham ido à sua casa 17 homens, sendo 15 pardos, um europeu e um preto que trazia com um ferimento de faca.  Todos estavam armados e fugiam, e o morador acreditava que fossem embarcadiços.
Em consequência, Antônio José de Souza, o inspetor de Arapaçu resolveu ir a bordo, e com oito homens do quarteirão, em duas jangadas, transportou-se para lá. Descobriu que a escuna estava despovoada, havia, porém vestígios de sangue. Foi objeto de muitos comentários no pequeno arraial o caso da escuna que não tinha gente, mas trazia manchas de sangue.
No dia 13, uma quinta-feira, também o inspetor do Cajueiro do Ministro reuniu os seus homens em número de 9 e se dispôs a sair no encalço dos embarcadiços. Foi informado por um passante que vira os fugitivos escondidos no mato alto. Estavam todos armados.
O europeu soube-se depois, era o português de Almada Bernardo José da Silva, andava à frente daquela turma de homens com o título de Senhor e os pretos lhe chamavam de “manjor”.
O navio encalhado era o Laura II proveniente do Maranhão, o qual tinha partido dali no dia 10 de maio com carregamento de arroz, milho, farinha de trigo, manteiga, barricas vazias e dinheiro de cobre, que se avaliava em quatro ou cinco contos de réis.
Era comandado pelo português Francisco Ferreira que se fazia acompanhar de seu escravo preto Antônio, incumbido da cozinha do navio, além do prático Felipe e de um contramestre. Havia ainda três marinheiros, e seis ajudantes com funções diversas; treze tripulantes ao todo.
Vinham também como passageiros dois homens forros, 6 escravos e dois moleques, total de 23 pessoas. Lutando contra os ventos e as correntes, a Laura II tinha conseguido amarrar no porto de Fortaleza após 49 dias de viagem. Reabastecido de provisões, tomou o rumo de Pernambuco no dia 9 de maio e na noite seguinte achava-se apenas na altura de Arapaçu, cerca de oito léguas ao sul.

 O Passeio Público em Fortaleza ficou marcado como local de execução de pena de morte em Fortaleza. Aqui foram executados os mártires da Confederação do Equador em 1825, e dos escravos do levante da escuna Laura II em 1839. (arquivo Nirez)


Em Fortaleza, Constantino, preto, baiano, escravo do armador, acompanhado de outros, foi à presença do capitão queixar-se do mal que passavam e da pouca comida que lhes distribuíam. A resposta do comandante foi dura: que eles mereciam era muito açoite.
Humilhados, e sem esperança no seu direito, os negros começaram a se rebelar contra as condições em que viajavam. Aos poucos, a  conspiração foi tomando corpo. A vingança foi acertada ao deixarem as águas de Fortaleza. Mal se aperceberam os oficiais e passageiros do navio.
O capitão foi atacado no seu camarote a golpes de faca; fugiu e se refugiou no lugar do leme, sendo lançado ao mar. O contramestre e o prático Felipe foram igualmente esfaqueados e jogados no mar. Os demais tripulantes e alguns passageiros foram assassinados a pauladas. O único que restava dos brancos foi posto a serviço dos revoltosos. Salvaram-se os que foram considerados inofensivos, como o cozinheiro do capitão, os negros passageiros, e os dois moleques.  Na manhã seguinte tratou-se de repartir os despojos e fugir. Todo dinheiro de papel existente a bordo foi repartido, cabendo aos mais fortes o maior quinhão, e dando-se uma parcela menor aos passageiros.
Só pelas duas da tarde, a escuna Laura II pode avizinhar-se da terra. Previamente lhe tinha sido feito um buraco com um pé-de-cabra para que fosse a pique.  No dia 11 de maio o grupo dos  revoltosos fez o seu desembarque. Ganhando os tabuleiros, à mercê dos acontecimentos e sem nenhuma ideia da região em que se encontravam. 
Ao acaso tomaram a estrada do Cajueiro do Ministro, enquanto a embarcação Laura II encharcava-se e acabou imergindo na noite do dia 12 deixando apenas as pontas dos mastros.  As autoridades locais, justamente indignados daquele atentado contra a vida e a propriedade, passaram a investigar, e a indagar  minuciosamente pelo dinheiro e pelas mortes. Presos, os negros desmentiram todo medo com que fugiam e confessaram, com assombrosa lealdade, o que havia feito cada um, dando seu testemunho na inocência dos demais.
O que havia na consciência deles era a melhor noção do direito; entendiam que podiam partir ao meio todo senhor que os tolhesse e matar os que lhe submetiam a um tratamento injusto e desumano.
De Cascavel, os presos foram transferidos para a cadeia de Fortaleza, vindo acompanhados do processo que foi iniciado naquela localidade. Grande foi a expectativa quando esta gente chegou à casa do juiz de paz Vicente Mendes Pereira, um sobrado na Rua Major Facundo. Todos queriam ver os criminosos, não pela estranheza do crime, da culpa assumida, mas pela sorte que os aguardava.
Submetidos ao júri, seis foram condenados a morte por enforcamento:  João Mina, Hilário, Benedito, Antônio, Constantino e Bento.  No dia 22 de outubro de 1839, no Passeio Público, Constantino - tido como chefe e mentor do ataque aos tripulantes da escuna Laura II - comandou a derradeira batalha da vida: mandou adiante cada um dos seus companheiros, e depois impávido, subindo no cadafalso como pelas vergas do Laura II, sacudiu, olhando ao redor para que vissem bem aquilo... pôs o laço e atirou-se no espaço.

 
Extraído do livro de João Brígido
Ceará (homens e fatos)

sábado, 2 de março de 2013

Imagens do Poder: entre o Sagrado e o Profano




Quando Padre Cícero foi eleito para o cargo de prefeito de Juazeiro, em 1911, o evento foi marcado por uma fotografia em forma de medalhão. Feita a partir de um close, o retrato apresenta a imagem oficial de um padre que havia assumido significativo lugar na política. Trata-se do rosto emoldurado que foi colocado nas paredes da prefeitura. Ao mesmo tempo foi um dos retratos que mais despertaram a vaidade do Padre Cícero. A partir dessa matriz, ele mandou imprimir uma infinidade de cartões-postais. Seguindo a moda de então, o padre desenvolveu o hábito de oferecer a própria imagem como prova de amizade e estima. 

No centro Presidente  do Estado Moreira da Rocha; a esquerda, Padre Cícero e à direita, Floro Bartolomeu

Grande parte das fotos nas quais o Padre Cícero aparece ao lado de políticos é composta por registros das visitas de três presidentes de Estado a Juazeiro: João Thomé de Saboya, em 1917, José Moreira da Rocha, em 1925 e José de Mattos Peixoto, em 1929.
Os envolvidos nas tramas da política dos coronéis sabiam que o apoio de Padre Cícero tinha inestimável importância. As poses programadas diante do flash constituíam ritos de sacralização dos interesses que caracterizavam as classes dominantes.

Presidente joão Thomé e Padre Cícero em 1917

Aos 80 anos, Padre Cícero serviu de modelo para uma estátua de bronze em tamanho natural. Seguindo as orientações de Floro Bartolomeu. O escultor Laurindo Ramos fez uma imagem que procurava ser a mais realista possível, com grande riqueza de detalhes. O rosto, as mãos, o caimento da batina, foram esculpidos de modo a reproduzir, com perfeição os traços físicos do padre. Como previsto, a estátua do Padre Cícero foi colocada na praça mais importante de Juazeiro.  O lugar, antes chamado de Praça da Independência, ganhou outro nome: Praça Almirante Alexandrino. A inauguração da praça em 1925 assumiu ares de cerimônia oficial e patriótica, contou com a presença de várias autoridades e desfiles de um destacamento da Escola de Aprendizes Marinheiros da Capital. 

Praça Almirante Alexandrino
foto: http://historiadejuazeiro.blogspot.com.br

A estátua de bronze transformou-se em um dos símbolos do progresso da cidade. Para as classes dominantes de Juazeiro, Padre Cícero não poderia ser visto como um santo de fanáticos. A exaltação que muitos membros das classes média e alta desenvolveram em torno do Padre Cícero, até mesmo chamando-o de santo, construiu-se com a preocupação de não apresentar manifestações de ignorância religiosa. É um culto racionalizado, que coloca em destaque as virtudes pessoais do patriarca: o padre virtuoso, perseguido pela igreja junto com a imagem do prefeito, honesto, caridoso, trabalhador e que promoveu o desenvolvimento da cidade.  

extraído do artigo de Francisco Régis Lopes Ramos
Juazeiro e Caldeirão: espaços de sagrado e profano
publicado no livro uma Nova História do Ceará